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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Art Nouveau

Embora anteceda o Cubismo, o movimento Art Nouveau teve alguma influência no gigantesco degrau construído por Braque e Picasso em direção ao moderno design. Ao contrário da maioria das correntes associadas ao movimento modernista, o Art Nouveau não foi dominado pela pintura. Mesmo os pintores mais estreitamente relacionados com o estilo, Toulouse-Lautrec, Pierre Bonnard, Gustav Klimt, são identificados no caso, por seus posters e objetos de decoração.

O Art Nouveau foi o primeiro movimento orientado exclusivamente para o design. Por isso, seu estilo é marcado, algumas vezes, pela decoração elaborada e superficial e pelas formas curvilíneas ou sinuosas. O Art Nouveau é importante para o artista gráfico por causa do estilo que fixa a página impressa; por sua influência na criação de formatos de letras e de marcas comerciais; por sua criação e primeiro desenvolvimento dos modernos posters. O design gráfico foi também influenciado pela contribuição do Art Nouveau, relacionando as áreas da moda, de tecidos e mobílias, da mesma forma que o design de objetos populares, como vasos e lamparinas Tiffany, artigos de vidro Lalique e estampas Liberty.

Da mesma maneira que muitas outras inovações do design, os modernos posters tornaram-se viáveis em decorrência de uma inovação técnica. A litografia colorida tornou-se disponível ao final do século XIX, possibilitando aos artistas trabalhar direto na pedra, sem as restrições retilíneas da impressão tipográfica. Outra influência que inspirou o uso livre do espaço foi a súbita popularidade das estampas japonesas. É fácil para os designers educados a sombra do Bauhaus e do Estilo Internacional rejeitar o Art Nouveau como um exagero gráfico que nega os princípios básicos do design contemporâneo. Todavia, a decoração é uma influência persistente na comunicação visual e no design gráfico.

Basta lançar um olhar, vinte anos mais tarde, ao movimento Art Déco, para encontrar uma sequência dessa alternativa puramente ornamental do design. Embora o Art Nouveau seja uma manifestação típica do século XIX, podem-se encontrar traços desse movimento nos layouts tipográficos dos anos 60 e mesmo da década de 70. Os trabalhados caracteres da família de tipos Bookman, o arrendodado da família Cooper Black e o renascimento de alfabetos antigos e ornamentados, tornando possível pela fotoletra e fotocomposição, tudo isso torna evidente a persistente influência do estilo decorativo.





O poster de Jane Avril, criado em 1889 por Toulose-Lautrec, reflete a influência das estampas orientais, bem como as linhas sinuosas e o desenho das letras da litografia Art Nouveau.




Toulose-Lautrec: Cartaz de divulgação da peça teatral: La Gitane de Richepin

Carlos e a poética da liberdade
Nathalia Sá Cavalcante

Resumo:

Analisar a expressividade da obra J. Carlos e apontar, além do seu potencial técnico como artista gráfico e jornalista, a qualidade artística, a riqueza estética e única desenvolvida em inúmeros trabalhos publicados. J. Carlos ilustrador é um artista em sintonia com a sua época e com o seu momento histórico. J. Carlos designer é um artista dos meios de comunicação que cria segundo um projeto próprio. J. Carlos jornalista, escrevia com palavras e imagens, encontrando a harmonia do diálogo entre as narrativas verbais e imagéticas, contando um pouco da história carioca à luz de seu olhar e de seu pensamento. J. Carlos artista é um artista da liberdade.

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Palavras-chave: J. Carlos; jornalismo; design; arte gráfica; ilustração.
"Desenho o que quero desenhar, ou por outra, o que posso desenhar. Uma prova disso é que as legendas de meus desenhos são também minhas. Criticando e ironizando os inimigos da liberdade creio que estou andando bem."
Na obra de J. Carlos uma única palavra pode concentrar toda a sua força poética e informativa: a liberdade. É no caminho da liberdade que esse artista constrói a sua vida e a sua obra por meio de três vias condutoras. A arte, o design e o jornalismo formam o triângulo propulsor de uma obra desafiadora que encanta diferentes receptores de várias épocas com a riqueza de aspectos estéticos, plásticos e denotativos.
Artista

Sua produção começou em 1902 com a publicação do seu primeiro desenho na revista Tagarela ao lado de dois grandes nomes da charge da época, Raul e Kalixto. Desde então, continuou a desenhar e, muito rapidamente, já estava fazendo as capas da mesma publicação. Os primeiros desenhos mostraram um traço rudimentar, mas que logo amadureceu até desenvolver um estilo próprio de grande vitalidade. Seu traço se tornou muito preciso, característica da visualidade que construiu ao longo de sua vida. Ilustrou muitas publicações importantes da época tais como revistas do Rio e de São Paulo: O Tagarela, A Avenida, Fon-Fon!, Careta, Revista Nacional, Eu Sei Tudo, Revista da Semana, O Cruzeiro. Também dirigiu a parte artística das publicações da Empresa d'O Malho, ilustrando Para Todos, Ilustração Brasileira, O Malho, O Tico-Tico, Cinearte, Leitura Para Todos, Almanaque d'O Malho e d'O Tico-Tico, Álbum do Cinearte dentre outras.

Trabalhou com publicidade, cenografia, direção de arte, caricaturas, charges, capas de revistas, ilustrações para livros, esculturas e cartazes comerciais. Criou as legendas de muitos dos seus desenhos, assim como, escreveu muitos textos e um livro infantil chamado Minha Babá. J. Carlos era um artista completo que transitava com facilidade em várias áreas da atividade artística com talento e singularidade.

Nos anos 20, enquanto a carreira de J. Carlos decolava, o Rio de Janeiro foi muito influenciado pelos modelos culturais franceses. O Art Noveau seguido do Art Déco caracterizaram as influências estéticas do início do século XX vindas da França, capital artística do Ocidente.

Segundo Argan (1995), o Art Noveau foi o gosto ou o "estilo" que expressou o espírito típico do modernismo, um fenômeno essencialmente urbano. Interessava às várias áreas representantes dos costumes: o urbanismo, os equipamentos urbanos e domésticos, a arte figurativa e decorativa, o vestuário, os ornamentos, os espetáculos, etc. Representava o gosto da burguesia moderna solidária ao progresso industrial tido como um privilégio intelectual com responsabilidades sociais. Caracterizou-se pela temática naturalista, utilizando motivos inspirados na arte japonesa.

A morfologia desse estilo foi representada por arabescos lineares e cromáticos, por curvas e espirais, pela utilização de cores frias e transparentes, pela assimetria e ritmos musicais, longe das proporções equilibradas. Buscava-se a idéia de agilidade, leveza, juventude e otimismo. Sua difusão aconteceu por meio de revistas de arte, moda, publicidade, exposições e espetáculos. O ambiente visual do Art Noveau criou uma imagem idealizada e otimista em relação à sociedade. Acreditava-se que com a libertação do homem do trabalho com ajuda das máquinas, seria possível usufruir mais dos ornamentos e de seus encantos plásticos. No entanto, esse ideal de uma sociedade mais livre para o prazer estético não se concretizou.

O movimento Art and Craft liderado pelo socialista utópico William Morris, acreditava que com as novas conquistas técnicas associadas ao trabalho dos artistas, uma nova sociedade se configuraria. Uma sociedade onde as máquinas realizariam o trabalho humano e as pessoas teriam maior disponibilidade para atividades ligadas à imaginação e ao desenvolvimento de uma arte para o povo. A tentativa de aproximação entre o trabalho dos artistas e dos operários pela via das novas conquistas tecnológicas também poderia contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Nesse mesmo momento, entretanto, a realidade se apresentava diferente. Os operários das fábricas, grande parte da população dos centros urbanos, lutavam por condições de trabalho mais dignas e humanas. A realidade das fábricas era a exploração e o trabalho intenso dos operários. O sonho de Morris estava cada vez mais distante.

Art Noveau, visto em conjunto, não expressa em absoluto a vontade de requalificar o trabalho dos operários (como pretendia Morris), mas sim a intenção de utilizar o trabalho dos artistas no quadro da economia capitalista. Por isso, o Art Noveau nunca teve o caráter de uma arte popular, e sim, pelo contrário, de uma arte de elite, quase de corte, cujos subprodutos são graciosamente ofertados ao povo: é o que explica sua constante remissão ao que se pode considerar um exemplo de arte integrada aos costumes. O Rococó, e sua rápida dissolução quando a agudização dos conflitos sociais, que leva à Primeira Guerra Mundial, desmente com os fatos o equívoco utopismo social que lhe servia de base (Argan, 1995).

Posteriormente, surge o Art Déco que foi um conjunto de manifestações artísticas originado na Europa e que expandiu-se para as Américas do Norte e do Sul, inclusive o Brasil, a partir dos anos 20. Foi apresentado ao público na Exposition Internationalle des Arts Décoratives et Industrielles Modernes, em Paris em 1925. Ao contrário do Movimento Moderno, o Art Déco não pode ser definido propriamente como um "movimento" artístico por não possuir uma doutrina teórica consistente por meio de manifestos, associações e publicações que organizassem e definissem um possível estatuto.

O Art Déco é basicamente um estilo pragmático e de abrangência limitada. Embora tenha sido difundido em todo o mundo, não chegou a implantar uma produção de uma época ou de um local. Mesmo não sendo um movimento artístico, propriamente dito, o Art Déco foi um estilo essencialmente artístico. Diferente do movimento moderno que se configurou como um movimento cultural global com aspectos sociais, tecnológicos, econômicos e também artísticos. O Art Déco foi um estilo cosmopolita, conectado à vida cotidiana, associado à arquitetura, ao urbanismo, ao paisagismo, ao design, à cenografia, à publicidade, às artes gráficas, à caricatura, à moda e à ilustração.

Morfologicamente, há no estilo Art Déco três linhas diferentes. A primeira se caracterizou pela síntese e pela geometria estrutural, também conhecida como escalonada ou zigue-zague. A segunda se apresentava ainda com vestígios de conceitos mais acadêmicos com forte influência francesa, enfatizando os motivos decorativos. A terceira valorizava as linhas sinuosas e orgânicas, inspiradas no Expressionismo. Uma das representações paradigmáticas dos anos do Art Déco foi a da melindrosa de cintura baixa, colares compridos, cabelos curtos e ondulados e piteira nos lábios. J. Carlos desenvolveu uma espécie de "iconografia" art déco, criando personagens como a melindrosa e o almofadinha. Outros temas da iconografia Art Déco são os cachorros, as lebres e os cervos em movimento; as praias, a piscina e as banhistas, as rosas e temas florais como cactos e palmeiras; as linhas onduladas e aerodinâmicas; os cabelos ao vento, o sol nascente e os motivos geométricos.

A genealogia artística do Art Déco foi diversa, mas existiram influências do Art Nouveau, do Cubismo, da estética da Bauhaus, do Fauvismo, do Expressionismo, do Neoplasticismo, e aspectos da arte egípcia, maia, asteca, ameríndia e japonesa. Na arquitetura e decoração de interiores, seus maiores expoentes europeus foram os franceses Pierre Chareau, Emile-Jacques Ruhlmann, Pierre Patou e Robert Mallet-Stevens, tendo como precursores do estilo, como Charles Mackintosh, Joseph Hoffman, Adolf Loos, Tony Garnier, Michael de Klerk, Frank Lloyd Wright, entre outros.

J. Carlos absolveu as influências dos dois movimentos europeus, o Art Noveau e o Art Déco, imprimindo em seu trabalho, entretanto, uma espécie de tempero brasileiro, particularmente carioca. Sua obra é marcada pela leveza de seu traço preciso e sintético. Essa síntese pode ser uma das características mais modernas de seu trabalho por conseguir a exatidão com o mínimo que a linha oferece e, muitas vezes, apenas com o preto da tinta e o branco do papel. Figura e fundo, forma e vazio complementam-se de maneira exemplar num possível diálogo entre o dito e o não dito. A ênfase na planalidade das imagens aproxima ainda mais a sua obra das correntes estéticas da arte moderna, que buscavam desde o impressionismo a ruptura com a perspectiva renascentista imposta como verdade do olhar sobre a realidade. A afirmação da planalidade própria ao suporte da pintura e do desenho possibilita outra representação por meio da expressão. J. Carlos utiliza os contrastes e encontra no preto e branco a máxima da sua exploração plástica.

Um bom exemplo dessa potencialidade está no portrait-charge de Berta Singeman aonde J. Carlos consegue uma expressão reveladora com poucas linhas. Ao utilizar a cor, principalmente nas capas de revistas, o faz sem exageros. A cor é utilizada complementando a força do traço, com delicadeza. As capas de Para Todos, por exemplo, demonstram o seu domínio e conhecimento em relação à utilização das cores. Segundo Herman Lima (1950), seu traço possui muita afinidade com os ilustradores franceses Gavarni e Charles Hérouard.

J. Carlos ilustrador é um artista em sintonia com a sua época e com o seu momento histórico. J. Carlos designer é um artista dos meios de comunicação de sua época, criando segundo um projeto próprio. J. Carlos jornalista, escrevia com palavras e imagens, encontrando a harmonia do diálogo entre as narrativas verbais e imagéticas, contando um pouco da história carioca à luz de seu olhar e de seu pensamento. J. Carlos artista é um artista da liberdade.

Designer

J. Carlos é visto como caricaturista, ilustrador, jornalista, artista gráfico dentre tantos outros talentos. Mas é na área do design, entendida num primeiro momento como a da "concepção de um projeto ou modelo planejado" que ele pode ser acolhido de uma forma mais totalizante, principalmente pela característica essencial de interdisciplinaridade que o design possui(Aurélio, 1986). É claro que se trata de uma visão atual, ou seja, o que é o design hoje contempla também seus precursores. O designer é antes de tudo um projetista, e neste aspecto J. Carlos é um exemplo dessa capacidade de articulação entre o projeto e o talento artístico.

Como caricaturista, exagera e acentua traços fisionômicos de personalidades, mas principalmente imprime a sua opinião, o seu posicionamento. Desenvolve uma linguagem própria com características formais e plásticas. Como ilustrador, complementa o texto, e ainda mais, o suplementa. A ilustração fala do texto a seu modo, com um repertório plástico singular que determina a sua força, demonstrando seu caráter narrativo.

J. Carlos tem consciência do sentido efêmero de seus desenhos. Esquecendo-os na mesa, jogando no lixo ou dando aos colegas, não carimbou na sua obra a "aura" de obra de arte. Entendia o seu trabalho como matriz de uma produção em série, inserida na época da industrialização ( Kamita, 1996). A arte desse momento estava buscando uma aproximação da harmonia formal com a racionalidade funcional. Começou a estar presente no cotidiano da sociedade urbana. E, nesse aspecto o impacto do movimento Art Nouveau ajudou muito a que isso se realizasse. As revistas, principalmente as de moda, os cartazes, os meios de comunicação contribuíram significativamente para tal repercussão.

Desenhava letras com a mesma facilidade que criava personagens. Em cada nova capa, um novo desenho, uma nova tipologia, mantendo, no entanto, o projeto gráfico. O desenho das letras se integra de maneira muito interessante e harmônica com suas ilustrações. Muitos logotipos são realizados numa unidade entre a letra e o desenho. Em algumas capas de revistas como as de Para Todos, esta experiência estética pode ser vista em vários números da publicação. Em cada exemplar o título era tratado de uma maneira diferente e de acordo com o assunto em questão. Essa liberdade possibilitou ao artista a criação de capas surpreendentes e de grande vitalidade. Não estava aprisionado às tipografias convencionais.

Criava em cada desenho, uma nova possibilidade. "Design gráfico é uma atividade de ordenação projetual de elementos estético-visuais textuais e não-textuais com fins expressivos para a reprodução por meio gráfico, assim como o estudo desta atividade e a análise de sua produção. Essa produção inclui tanto a ilustração quanto a criação e a ordenação tipográfica, a diagramação, a fotografia e outros elementos visuais. No entanto, não inclui nenhuma delas isoladamente: o design gráfico é justamente a combinação de todos estes elementos com os fins e os meios acima descritos (ainda que, em projetos muito específicos, estes elementos possam constar isoladamente)." (Villas-Boas, 1998)

Esta é uma dentre muitas definições de design. Mesmo que seja uma visão ainda muito questionável, pode servir como um ponto de partida para confirmar a posição de J. Carlos dentro dessa área de conhecimento e atuação. Assim, J. Carlos é um designer. Artista completo e especial que pensou o desenho além de um signo gráfico, como um sistema que possibilitasse uma compreensão do seu momento cultural. Paradoxalmente, apresentou uma ampla capacidade de comunicação atemporal, que o faz transcender seu próprio espaço histórico e habitar nosso imaginário, seja nos remetendo ao passado, nos fazendo refletir sobre o tempo atual, ou possibilitando um diálogo com uma expressão singular que não pertence a tempo algum.

Jornalista

J. Carlos realizou o que Cássio Loredano chama de "jornalismo desenhado". Anunciava e criticava fatos da sua atualidade pela imagem, às vezes com legendas que completavam a sua idéia visual. "O jornalista é acima de tudo um contemporâneo" diz Bakhtin (1992) e J. Carlos foi acima de tudo um profissional de seu tempo e para o seu tempo. Detinha-se nos acontecimentos e nos costumes do cotidiano carioca. Como diz Bakhtin, "o cotidiano puro é uma ficção, uma invenção de intelectuais. O cotidiano do homem sempre possui uma forma, e esta forma é sempre ritualizada (pelo menos "esteticamente"). É justamente nessa ritualização que a imagem artística pode apoiar-se. A memória e o consciente no ritual do cotidiano na imagem." J. Carlos estetizou hábitos e personagens do Rio de Janeiro eternalizando-os ao dar uma forma visual à sua experiência sensória e intelectual do cotidiano carioca.

Para Arthur Dapieve (2000), J. Carlos foi um grande jornalista ao "cobrir" acontecimentos ligados à guerra com precisão, inclusive até prevendo situações. Suas imagens narram e constroem uma linguagem com ritmo e sabor. Jornalista de acontecimentos e costumes, ele vivenciou a virada do século, as duas grandes guerras mundiais, a reforma urbana do Rio de Janeiro com as obras de Pereira Passos, a expressiva influência sócio-cultural francesa nas manifestações artísticas cariocas, o impacto do modernismo. Foi uma época rica em acontecimentos e mesmo com tantas turbulências, seu desenho guardou delicadeza e positividade. Seus registros caracterizam-se pelo não rancor e pela não agressão. Sua crítica foi precisa e seu humor, afiado.

Na verdade, o humor de J. Carlos oscilava entre a ingenuidade dos personagens infantis da revista Tico-Tico e a ironia das capas da revista Careta. Muitas vezes suas ilustrações eram muito tristes e fortes como o Papai Noel pendurando a sua bota e pedindo "paz". O humor e a malícia, o humor e a crítica, o humor e a beleza, o humor e a pura brincadeira: o humor de J. Carlos é um humor de várias faces. Não faz apenas rir, mas faz pensar. Com o seu trabalho, podemos compreender o Rio de Janeiro e seus costumes, a política, um pouco da história de um passado tão próximo[1]. As imagens contam a visão desse artista em relação ao seu lugar no mundo. As imagens nos remetem a lembranças, a interpretações e a sonhos. Na economia de traços, nos é revelado um mundo de grande riqueza e talento que se alimentava pura e simplesmente da vidinha do dia-a-dia carioca do início do século XX. Desenhando, J. Carlos nos deixou mais do que um pouco da história da nossa cidade. Ele nos apresentou seu mundo interior e sua capacidade de narrar pelo elegante traço da imaginação.

Suas ilustrações vinham, muitas vezes, acompanhadas de legenda que ele mesmo escrevia, revelando sua capacidade de síntese. Ao ilustrar, contava algo, conjugando texto e imagem. A ilustração funcionava como uma narrativa suplementar ao texto, as caricaturas como crítica e as tiras como crônicas da cidade. Segundo Herman Lima (1950), suas ilustrações possuem um cunho documental assim como Debret ou Rugendas que registraram cenas reveladoras e informativas do antigo Rio de Janeiro. A ilustração como linguagem pode ser uma narrativa e um meio de comunicação. Um bom exemplo dessa liberdade que o possibilita passear tanto pelo campo das palavras como pelo das formas, encontra-se na sua entrevista desenhada para a revista Fon-Fon. As perguntas da revista foram respondidas por J. Carlos com desenhos.

Jornalista e cronista, J. Carlos escreve desenhando e desenha escrevendo. Tece uma rede de possibilidades a um jornalismo ainda iniciante e registra tensões e amenidades do cotidiano carioca.

Ilustrações infantis

O artista, o designer e o jornalista buscavam tão intensamente a liberdade da expressão, da forma e da crítica aos fatos da vida, conjugando com maestria "o que" queria dizer com o "como" dizer. Isto permitiu que desenvolvesse um vocabulário gráfico singular que não se perdeu na beleza e encantamento de seus desenhos, mas que construiu uma nova maneira de contar, de criticar e de transformar. Sua atuação formal refletia no seu conteúdo que, por sua vez, sugeria uma outra forma. Assim, J. Carlos, passeando entre a beleza formal e a consistência da informação, se apresenta como um profissional que viveu com liberdade e pela liberdade.

As ilustrações infantis realizadas por J. Carlos, assim como os textos que as acompanham, podem ser o exemplo máximo da conjugação desses três vértices de atuação do artista. A forma e a informação se encontram nos personagens infantis e nas suas aventuras como na revista infantil Tico-Tico[2]. Esta publicação surgiu em 1905, enquanto Pereira Passos concluía grandes obras de urbanização e modernização no Rio de Janeiro e Oswaldo Cruz saneava a cidade pela ação dos mata-mosquitos e da vacinação em massa no combate da febre amarela e da varíola. A revista infantil Tico-Tico, criada por Angelo Agostini, utilizava quadrinhos e ilustrações e se caraterizou por ser inteligente e engraçada. Foi a primeira revista infantil de grande repercussão nacional.

Além disso, divulgava um trabalho essencialmente brasileiro. Lamparina, por exemplo, "contava as travessuras de uma negrinha do morro, sempre pregando peça nos adultos. Trabalhava numa linha muito firme, que era a característica do trabalho de J. Carlos. Lamparina é um dos pontos altos do quadrinho brasileiro" (Cavalcanti, 1977). A Tico-Tico não resistiu ao impacto da entrada da indústria Disney no país, parando a sua publicação em 1959. Por muito tempo, a revista habitou a imaginação de pequenos leitores e possibilitou o desenvolvimento de um artista que gostava muito do trabalho voltado às crianças.

O seu trabalho com ilustração infantil, vai além da Tico-Tico. J. Carlos escreveu e ilustrou o livro Minha Babá, publicado em 1933. Uma das principais características encontradas nesta obra é a revelação de um J. Carlos artista, escritor e educador. Há uma preocupação em transmitir uma mensagem no final de cada história, contextualizadas num ambiente brasileiro. O conteúdo das mensagens é de cunho moral, muitas vezes, revelando uma leve melancolia envolvida numa atmosfera de esperança. Em termos formais, as ilustrações são inovadoras, dominam o espaço gráfico e os títulos e capitulares são tratados como desenhos. Tanto a forma quanto o conteúdo revelam a liberdade experimentada pelo artista.

Um novo campo de conhecimento da obra de J. Carlos é apresentado pelas suas ilustrações infantis. O artista que estava em sintonia com o seu tempo, o designer que elaborou uma linguagem singular e o jornalista que registrou e interpretou a sua realidade estão juntos num projeto mais do que visual, num exercício pleno da liberdade do fazer. A idéia de liberdade via as três esferas de sua atuação, encontrou seu espaço maior nas ilustrações infantis. São nessas ilustrações que J. Carlos consegue unir com habilidade o artista, o designer e o jornalista.

Nathalia Sá Cavalcante é formada em Comunicação Visual pela PUC/RJ e pelo curso de especialização em História da Arte e da Arquitetura do Brasil PUC/RJ. Mestre pelo Departamento de Artes e Design PUC/RJ.

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